As “blue zones” e o cotidiano de existir em sociedade:

Brasília, segunda-feira, 22 agosto, 2022

As “blue zones” e o cotidiano de existir em sociedade:
Por: Juliana Gai
Atualizado em: 22 agosto, 2022

Você já pensou no que é que faz as pessoas viverem mais e melhor?

Olá, pessoal! Na semana passada, acompanhei um evento maravilhoso chamado MaturiFest 2022, sobre trabalho e empreendedorismo 50+. Promovido pela plataforma Maturi, que foi criada há sete anos, discutiu-se como reincluir no mercado de trabalho profissionais com 50 ou mais anos que desejam e precisam seguir suas carreiras.

O evento foi muitíssimo rico! Escritores, empreendedores, artistas, youtubers, jornalistas, gerontólogos… todo mundo falando sobre “a nova velhice” na sociedade. Vamos viver muito, sempre digo isso! Às vezes parece que estou falando às paredes, mas a matemática proporcionada pela demografia não me deixa mentir. Pelo contrário, me prova todos os dias. É necessário produzir. Temos que pensar até do ponto de vista econômico, em uma sociedade que envelhece a olho nu.

Mas o que isto tem a ver com as chamadas “blue zones”, as “zonas azuis”, em português?
As “blue zones” são regiões do mundo, mapeadas por cientistas de várias especialidades, onde as pessoas vivem muito, são as comunidades mais longevas do planeta. Nestas zonas, o índice de doenças é menor e as pessoas são mais satisfeitas com a vida, reclamam menos. Estão na lista lugares na Itália, na Grécia, na Costa Rica, no Japão e nos Estados Unidos. Então, há dois fenômenos interessantíssimos se cruzando nestes locais: pessoas vivem MAIS e pessoas vivem MELHOR!

O que há em comum nestes territórios?
Claro que comida e atividade física são fundamentais e, em todas as “blue zones”, as pessoas comem comida saudável e são bastante ativas fisicamente no seu cotidiano. Elas também usam resveratrol, pelo consumo moderado de vinho, especialmente na Itália e na Grécia. E não tem hábitos compulsivos, tais como fumar ou consumir tudo excessivamente. Mas o que mais chama a atenção é o alto índice de felicidade, baseado em pilares fundamentais que, muitas vezes, tem sido negligenciados pela sociedade contemporânea.

Em todas as zonais azuis, as pessoas são envolvidas com suas famílias, mantem a convivência, tem amigos e vizinhos com quem se relacionam, e são produtivas até o fim de suas vidas. São pessoas envolvidas com suas comunidades e dedicadas à construção de um coletivo melhor para todos. Em seu livro “As zonas azuis da felicidade: lições das pessoas mais felizes do planeta”, Dan Buettner menciona influências que moldam a satisfação do ser humano com sua vida, tais como a comunidade, o lar e a relação com o seu trabalho.

Por coincidência (ou não) estamos enfrentando, no momento, crises grandes nestes aspectos mencionados pelo autor. Estamos diante de problemas sérios decorrentes de lares disfuncionais, em que a violência tem sido presente, compostos por pessoas, muitas vezes, com a saúde mental abalada. As famílias têm se distanciado cada vez mais, devido às decisões mais voltadas para o individual do que para o coletivo doméstico e comunitário.

A decisão de aceitar um emprego, por exemplo, tem passado somente pelo valor do salário e não tem se medido, necessariamente, o prazer da execução da tarefa ou a convivência insuficiente com a família. Além disso, o público 50+ está com grande dificuldade de se adaptar e continuar participativo nas grandes corporações, ficando relegado ao fracasso profissional e à exclusão, caso perca o emprego na metade da sua vida. Parece que as empresas precisam ser capacitadas a entender o valor do tempo, onde os anos de experiência podem compensar o atraso no manejo das novas tecnologias, e o investimento na sabedoria pode sair mais barato do que se imagina.

Cadê o real propósito da vida em sociedade?
A insuficiência familiar entrou para a lista das grandes síndromes geriátricas, para além da incapacidade cognitiva, da iatrogenia, da incontinência urinária, da instabilidade postural, da imobilidade e da incapacidade comunicativa, já conhecidas pelos profissionais de saúde. Não temos mais quem ofereça tempo, apoio e cuidado às pessoas idosas da família.

Como chegamos neste momento? O que aconteceu?
Uma das explicações que acredito diz respeito ao fato de estarmos enfrentando uma crise econômica mundial, que só piorou nos últimos dois anos, junto com o fenômeno do envelhecimento populacional que chegou aos países em desenvolvimento. Com as mulheres em tempo integral no mercado de trabalho, crianças, idosos e pessoas com deficiência podem estar pagando a conta da falta de suporte familiar.

Não quero dizer que mulheres devam ficar em casa, elas podem e devem trabalhar fora do lar, só estou mencionando que este fator causou uma mudança na estrutura social que culminou, em muito curto espaço de tempo, em uma crise doméstica que ainda não foi absorvida. Não deu tempo para planejamento e gerência. E nós precisamos entender melhor tal situação para encontrar meios de diminuir o custo para os dependentes de cuidado. Trabalho doméstico deveria ser aceito também como renda, pois é!

Outra questão que gosto de mencionar como explicação é o fato de que esta geração de idosos não se preparou para viver tanto tempo. Muitos idosos de hoje nunca fizeram atividade física e não sabiam que isto prevenia agravos de saúde, assim como também pouco se falava no sentido de ser magro. Era mais uma questão de padrão de beleza do que de saúde. E nem os profissionais de saúde de antigamente imaginavam que haveria pacientes tão longevos assim ocupando leitos hospitalares no Brasil em tão pouco tempo. Não se deu ouvidos, suficientemente, aos demógrafos. O resultado é que esta geração, em sua maioria, envelheceu mal. Se aposentou cedo, não encontrou propósito na vida, adoeceu e ficou dependente,
possivelmente mais cedo do que se estivesse mais atenta aos cuidados de saúde física e mental.

Este assunto é inserido num ecossistema complexo, que depende da compreensão do conjunto de fenômenos sociais, econômicos e científicos que aconteceram rapidamente nas últimas décadas. Portanto, não é em um único texto que conseguiremos esgotar as possibilidades causais. Mas eu gostaria de fazer meus leitores pensarem sobre todas estas questões e, quem sabe, encontrarem soluções para as suas próprias vidas e para envelhecer melhor: com saúde, qualidade de vida, independência, autonomia, e produzindo num trabalho que gere renda e lhe faça sentido, lhe faça feliz.

Eu comecei a valorizar cada vez mais os meus 44 anos de idade e 22 anos de prática gerontológica. Parei de me sentir inferior porque eu não sei tanta coisa assim sobre fazer reels para o Instagram, ou usar uma linguagem mais rápida. Eu estou aprendendo com meus parceiros de trabalho, com meus alunos e com meus mentorados, assim como eles aprendem comigo, com a minha experiência e minha calma diante da crise. Porque eu já vivi muitas crises e sei bem que elas passam e que a reinvenção sempre é possível.

Sendo assim, considero que estou praticando o “lifelong learning”, que comentei em outro texto recente aqui na coluna. Estou bastante satisfeita com a minha vida. Espero envelhecer bem! E espero contribuir para que vocês também envelheçam bem!

Referências:
Maturi: https://www.maturi.com.br/
As zonas azuis da felicidade: lições das pessoas mais felizes do planeta. Dan Buettner. 2019.
Editora nVersos.


Juliana Gai
Gerontóloga, Fisioterapeuta e Terapeuta em Saúde Mental
E-mail: gerontologiapratica@gmail.com
Instagram: @drajulianagai
Youtube: Gerontologia Prática

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