QUAL O MELHOR LUGAR PARA UMA PESSOA IDOSA MORAR?

Brasília, segunda-feira, 21 novembro, 2022

QUAL O MELHOR LUGAR PARA UMA PESSOA IDOSA MORAR?
Por: Juliana Gai
Atualizado em: 8 agosto, 2023

Olá, leitores. É um prazer imenso estar de volta. Estive ocupada com inúmeros compromissos.
Feliz de poder escrever de novo aqui nesta coluna que tem um significado importante para
mim.

Gostaria de falar sobre um assunto que tira o sono de muitos filhos de pessoas idosas. Ao longo do ano, estive atendendo inúmeras famílias precisando de ajuda para a tomada de decisões importantes em relação à moradia de pessoas idosas iniciando dependência de ajuda. Em mais de 20 anos trabalhando com gerontologia, já vi e vivi muitas situações dramáticas relacionadas a este tipo de decisão e ao conflito familiar associado ao momento de fazer uma análise mais profunda da capacidade da pessoa idosa de morar sozinha e cuidar de si mesma.

Em gerontologia, nós usamos, além da entrevista básica, uma série de escalas, desenvolvidas e testadas em pesquisas científicas, para avaliar a pessoa idosa, o domicílio e a estrutura familiar de apoio para poder ajudar os próprios idosos e suas famílias a tomarem decisões importantes, tanto quanto ao local onde residirá a pessoa idosa, quanto em relação à necessidade de adaptação das residências, bem como de adaptação a uma nova rotina de vida e à chegada de cuidadores e acompanhantes de pessoas idosas. Nós chamamos este conjunto de escalas de Avaliação Gerontológica Ampla. É preciso avaliar detalhadamente cada caso. Sempre informo as pessoas sobre a existência de um “iceberg” que determina a condição de qualidade de vida no envelhecimento: nós vemos somente uma ponta dele, todo o resto, muito maior, fica submerso.

Em geral, as queixas dos idosos são percebidas de maneira superficial: a tal “ponta do iceberg”. Por exemplo, quando uma pessoa idosa que mora sozinha cai, se machuca, e fica com dor, tudo o que o paciente e a família enxergam é a dor e a queixa de dor. Inicia-se a peregrinação pelos consultórios médicos para achar o alívio para esta tal dor que não passa. É raro que alguém avalie, profundamente, qual a causa desta queda: será que esta pessoa idosa está com equilíbrio ruim e precisa de fisioterapia? Será que só a fisioterapia vai ser suficiente? Será que a residência precisa de adaptações preventivas de segurança? Será que esta pessoa ainda tem condições de residir sozinha? Onde foi esta queda? Foi em casa? Foi na rua? A pessoa tropeçou em algum obstáculo? Que obstáculo foi este? Por que a pessoa não conseguiu transpor o obstáculo do caminho? A pessoa deslizou em um piso molhado? Onde? Banheiro? Cozinha? Ela estava cozinhando? Ela estava saindo do banho? Ela estava se vestindo? Onde ela guarda suas roupas? A pessoa conversa verdadeiramente com seus familiares sobre suas dificuldades? Ou a pessoa decidiu não contar nada a ninguém para “não dar trabalho”? Houve uma mudança recente de vida? A pessoa ficou viúva? A pessoa está engordando muito ou perdendo muito peso? Quem faz o serviço doméstico da residência? Como está a saúde geral da pessoa? Ela tem um médico de referência com quem contar? Ela usa óculos? Estava de óculos quando caiu? Ela tem filhos com quem contar? Ela não tem rede de apoio familiar? Quem poderia ajuda-la? Que dor é esta que não passa? Onde é a dor? Ela já tinha doença reumática em curso? Que remédios ela usa? Será que está tomando remédios para além do que deveria? Ela tem tontura? Como está sua rotina diária de atividades? A dor é só física ou também é emocional? A pessoa idosa compreende a extensão do problema da queda e saberia prevenir uma queda mais grave? Etc…

Os questionamentos relacionados a parte submersa do “grande iceberg do envelhecimento humano” não tem fim. Porque você vai respondendo e interferindo sobre os questionamentos o tempo inteiro, devido as mudanças no quadro de saúde da pessoa idosa e às mudanças relacionadas à vida de quem cerca esta pessoa idosa e lhe provê apoio familiar. Lembremos também que a insuficiência familiar já é considerada uma síndrome geriátrica e que muitos idosos não têm rede de apoio próxima, pois não têm filhos ou então têm filhos residindo em outras cidades ou, até mesmo, países. Vejam o tanto de desafios que determinam como e onde a pessoa idosa deverá residir e como ela construirá uma boa qualidade de vida, com estimulação física, cognitiva e cuidados em saúde mental.

Obviamente, o melhor lugar para uma pessoa idosa residir é a própria casa dela! Mesmo que tenhamos que tornar esta casa mais segura pelo uso de medidas ergonômicas, tenhamos que contratar funcionários para fazer companhia noturna ou diurna e tenhamos que ensinar a pessoa idosa a aceitar o próprio envelhecimento e o surgimento de dependência de ajuda. As pessoas idosas também precisam ser informadas sobre a amplitude do fenômeno de envelhecer e sobre como elas poderão administrar isto. Eu recebo muitas pessoas idosas em meu consultório para conversar sobre a aceitação da passagem do tempo e da necessidade de bengalas, andadores, adaptações em casa, ajuda de filhos e outros familiares, decisões sobre administração financeira, e tudo mais. Isto faz com que os familiares tenham menos problemas com as negativas das pessoas idosas em participar ativamente do próprio cuidado e
prevenir a piora do quadro de dependência.

Há um preconceito muito grande com instituições de longa permanência para pessoas idosas, as chamadas ILPIs, antigamente conhecidas como “asilos”. No Brasil, culturalmente, ainda são vistas pelos idosos e por muitas famílias, como “depósitos de pessoas doentes e com família ruim, que não quer cuidar do coitado do velho”. Em primeiro lugar, “coitado do velho” é um pensamento ultrapassado. Não existem “coitados”, a não ser que exista violência doméstica. Do contrário, pessoas idosas não são “coitadas”, elas são só pessoas, como todos nós, com qualidades e defeitos. Precisamos mudar nossas cabeças e nos despir de preconceitos do passado. Há pessoas de variadas condições de saúde residindo em ILPIs atualmente e muitas mudam-se para elas por opção própria.

Manter uma pessoa idosa semi-dependente ou dependente em sua casa, a depender do nível de dependência, exige apoio de pelo menos quatro cuidadores de idosos, uma empregada doméstica, fisioterapeuta e outros profissionais sob demanda, além da vontade dos filhos de dividir a administração do processo de cuidar. Por isto muitos filhos resolvem levar a pessoa idosa para morar consigo, sob o pensamento equivocado de que isto vai resolver os problemas. Mas é algo que deve ser muito bem conversado, compreendido e aceito pelos membros do casal e pelos filhos que residem na casa. A presença de mais pessoas no lar pode gerar uma nova rotina e o ser humano, em geral, briga com mudanças, pode se desestruturar psicologicamente com novas demandas e, se tudo não ficar organizado e funcional para todos, inclusive a participação de cada residente no acompanhamento do idoso, pode virar mesmo um pandemônio.

Às vezes a residência pode ser distribuída entre os filhos. Já tive vários pacientes que, em Brasília, moravam alguns meses com um filho, alguns meses com outro, levando a equipe profissional de cuidado junto. Mas esta é outra questão emblemática: será que pessoas idosas conseguem viver bem com tanta mudança? Especialmente as que tem déficit de memória. Quando se adaptam a uma residência, conhecem o esquema de circulação pela casa, se ajustam aos horários de funcionamento doméstico e à vida dos outros residentes, já é hora de mudar. Para muitos pacientes, isto pode ser ruim até mesmo para a saúde, gerando estresse. Então é algo que precisa ser visto também lá na parte submersa do “iceberg” particular de cada idoso.

Se você tem uma pessoa idosa na família e precisa avaliar com quem ela deve residir, antes de tudo, estude sobre isto. Procure publicações que falem sobre isto. Procure profissionais de gerontologia para conversar. Não olhe só a ponta do iceberg. Mas é bom lembrar-se sempre que envelhecer e precisar de cuidados faz parte da vida humana, não pode ser visto como uma tragédia e sim como mais uma mudança no ciclo de vida que precisa ser enfrentado, com apoio técnico necessário, medidas educacionais e de promoção de saúde.

Todos nós iremos envelhecer e todos teremos de gerir decisões importantes, inclusive sobre onde iremos residir e até quando seremos integralmente independentes. Embora muitas pessoas centenárias tenham uma “saúde de ferro”, aos cem anos será impossível não precisar de ajuda, nem que seja para pagar as próprias contas e se locomover pela cidade. É biológico. Não vemos pessoas centenárias andando por aí na rua sozinhas simplesmente porque, depois de uma certa idade, elas não conseguem mais. E nós também não vamos conseguir. Então não percamos de vista que ajudar e ser ajudado faz parte de viver!



Juliana Gai
Gerontóloga, Fisioterapeuta e Terapeuta em Saúde Mental
E-mail: gerontologiapratica@gmail.com
Instagram: @drajulianagai
Youtube: Gerontologia Prática

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